Um olhar legal sobre o ensino complementar em casa.

Quando os pais decidem oferecer um ensino complementar domiciliar para seus filhos com necessidades especiais, uma das primeiras dúvidas que surgem é: “Isso é permitido por lei?”
Essa pergunta é legítima — e muito importante. Afinal, a educação é um direito garantido, mas também é cercada por deveres e regulamentações tanto para as famílias quanto para o Estado.
Neste artigo, vamos trazer um panorama claro, objetivo e atualizado sobre o que dizem as legislações de Portugal e do Brasil em relação à prática do ensino domiciliar, com foco especial na educação inclusiva.
🏛️ Em Portugal: O Ensino Doméstico é legal — mas regulado
A base legal
Em Portugal, o ensino doméstico e o ensino individual são modalidades de ensino legalmente reconhecidas e regulamentadas pelo Ministério da Educação. Essas modalidades são distintas da escolarização tradicional, mas estão sujeitas a regras claras e acompanhamento por parte das autoridades educativas.
📌 Base legal: Decreto-Lei n.º 70/2021, de 3 de agosto
Este decreto estabelece que:
- A educação pode ser realizada em ensino doméstico (ministrado por um familiar com habilitação adequada) ou em ensino individual (por um professor contratado);
- Os alunos devem estar matriculados numa escola pública ou privada, que acompanha e avalia o seu progresso;
- Devem realizar provas de equivalência à frequência, de acordo com o ano de escolaridade;
- O pedido de ensino doméstico deve ser aprovado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE).
E a inclusão?
O decreto também prevê adaptações e apoios para alunos com necessidades educativas especiais, desde que incluídas no Plano Educativo Individual (PEI). A família deve trabalhar em conjunto com a escola para garantir:
- Acessibilidade aos conteúdos;
- Adaptações curriculares e avaliações;
- Apoios terapêuticos e acompanhamento individualizado.
👪 O ensino doméstico pode ser um complemento poderoso, desde que esteja articulado com a rede escolar e respeite o plano educativo da criança.
🇧🇷 No Brasil: Avanços recentes e desafios em curso
A base legal
Até recentemente, o ensino domiciliar no Brasil não era regulamentado, o que colocava as famílias numa zona cinzenta legal. No entanto, o cenário vem mudando:
📌 Em maio de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PL 3179/12) que reconhece o homeschooling como modalidade válida de ensino.
Esse projeto:
- Exige registro das famílias em plataformas do Ministério da Educação;
- Prevê a avaliação periódica do aluno;
- Condiciona o ensino domiciliar a um responsável com escolaridade mínima de nível superior.
Situação atual
Apesar da aprovação pela Câmara, o PL ainda precisa passar pelo Senado e por sanção presidencial para entrar plenamente em vigor em todo o país.
Enquanto isso, decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) consideram o homeschooling como uma prática não proibida, mas ainda sem regulamentação completa.
E as crianças com necessidades especiais?
A Constituição Brasileira (Art. 208) garante:
- Atendimento educacional especializado;
- Preferencialmente na rede regular de ensino;
- Com acesso complementar a recursos de apoio.
📌 O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão – Lei n.º 13.146/2015) reforça o direito à aprendizagem adaptada, ao currículo acessível e à autonomia da pessoa com deficiência.
Portanto, mesmo que o ensino domiciliar ainda esteja em fase de regulamentação, o ensino complementar em casa é permitido, desde que não substitua totalmente a matrícula escolar (na maioria dos casos).
⚖️ Homeschooling complementar: legal, possível e necessário
Tanto em Portugal quanto no Brasil, o ensino complementar em casa — ou seja, aquele que não substitui, mas reforça o que é aprendido na escola — é permitido, valorizado e até incentivado, especialmente quando se trata de atender às particularidades de uma criança com necessidades especiais.
Isso pode incluir:
- Reforço escolar com abordagens diferenciadas;
- Ensino sensorial adaptado à rotina familiar;
- Apoio emocional e comportamental;
- Estímulo à autonomia em casa.
✅ O que não pode: simplesmente tirar a criança da escola sem respaldo legal ou sem um plano estruturado.
🌍 E o que o mundo diz sobre isso?
Diversos países já têm políticas públicas que incentivam o ensino complementar para crianças com necessidades especiais:
- Canadá: escolas públicas oferecem kits pedagógicos personalizados para uso em casa.
- Reino Unido: planos de educação individual incluem recursos domiciliares obrigatórios para crianças com dislexia e TEA.
- Finlândia: pais e professores compartilham a elaboração de um currículo flexível, com partes feitas em casa.
- Austrália: programas híbridos permitem que parte do currículo seja cumprido com apoio familiar e tecnológico.
Esses exemplos reforçam a importância de equilibrar escola e lar, oferecendo apoio mútuo e contínuo à criança.
📌 Conclusão: Legislação não é barreira — é apoio
As leis existem não para proibir, mas para organizar o ensino de forma segura, ética e inclusiva.
Para os pais que desejam complementar o ensino de seus filhos em casa — especialmente quando há necessidades especiais envolvidas —, o primeiro passo é informar-se, dialogar com a escola e respeitar os marcos legais vigentes.
A educação começa no afeto, cresce com estrutura e floresce com respeito ao tempo e à individualidade de cada criança.